3/17/2007

ELA


Quando viajo até à minha infância, recordo aqueles momentos que fui elegendo como “ os meus favoritos”. Apesar da má memória, recordo certos episódios que, por algum motivo, persistem em me acompanhar. Todos eles bons, felizmente. Quando viajo além desses momentos de infância e me dedico à memória do que me fez pessoa, recordo muitos momentos, recordo muitas pessoas, a minha visão delas, algumas já não presentes, o que me angustia de certa forma, outras ainda presentes. Sendo que as mais importantes são a minha mãe e a minha irmã. Mãe é mãe e acerca disso não há discussão. Irmãos já é outra história…Tenho plena consciência que sou abençoada na relação que tenho com a minha irmã. Não tanto por mim, por existir essa relação, mas por ELA existir. Recordo com toda a clareza a gravidez da minha mãe. Recordo com uma precisão -quase improvável - o dia do seu nascimento, a alegria que senti, o êxtase de saber que ELA era, que ELA existia, o êxtase de A ver, de A tocar, de A adormecer, como se de um nenuco se tratasse, mas verdadeiro… de carne e osso. O amor incondicional, sem esperar nada em troca, dado porque sim, sem razões nem expectativas. O amor no seu melhor. Fraternal, metafísico, chamem-lhe o que quiserem. Para mim, é o suficiente, o mais importante, o mais genuíno de todos os amores que já vivi.
AMO-TE para todo o sempre
(eoquemaisexistirfififufu)
21st century love , Antony Micallef

Em todas as almas há coisas secretas cujo segredo é guardado até à morte delas. E são guardadas, mesmo nos momentos mais sinceros, quando nos abismos nos expomos, todos doloridos, num lance de angústia, em face dos amigos mais queridos - porque as palavras que as poderiam traduzir seriam ridículas, mesquinhas, incompreensíveis ao mais perspicaz. Estas coisas são materialmente impossíveis de serem ditas. A própria Natureza as encerrou - não permitindo que a garganta humana pudesse arranjar sons para as exprimir - apenas sons para as caricaturar. E como essas ideias-entranha são as coisas que mais estimamos, falta-nos sempre a coragem de as caricaturar. Daqui os «isolados» que todos nós, os homens, somos. Duas almas que se compreendam inteiramente, que se conheçam, que saibam mutuamente tudo quanto nelas vive - não existem. Nem poderiam existir. No dia em que se compreendessem totalmente - ó ideal dos amorosos! - eu tenho a certeza que se fundiriam numa só. E os corpos morreriam.

Mário de Sá-Carneiro, in 'Cartas a Fernando Pessoa'

3/03/2007

Killing in Your Sleep


Não há uma coisa que se faça por um ser (que se faça verdadeiramente) que não negue um outro.
E quando não nos podemos resignar a negar os seres, há uma lei que nos estiriliza para sempre.
De certo modo, amar um ser é matar todos os outros.
Albert Camus in “Cadernos”